Monday 23 February 2009

Quem manda na comunidade?

Porque é que eu terei este pé atrás quando ouço propostas de pessoas se juntarem para criar uma comunidade? A solução proposta por tantos ecologistas, que permite entreajuda, desenvolvimento humano, o melhor aproveitamento de recursos locais e poupança de recursos em geral pela partilha de equipamentos, etc... o que me desagrada?

O meu pé está ali atrás porque vi e senti no corpo o que está muitas vezes dito entre as linhas: “Decidimos tudo democraticamente, excepto quem manda”.

É verdade! Tantas comunidades em criação por este país fora, pela Europa fora, com 2 ou 3 membros apenas há anos. Os outros vieram, viram e foram-se embora. É melhor ter um líder dictatorial explícito numa comunidade do que andar a desiludir as pessoas com grandes conversas sobre valores democráticos que se irão por em prática “na minha quinta, terra de todos”...

Claro que é um desafio imenso tornar processos de decisão democráticos uma realidade, numa realidade em que cada um lá no fundo no fundo tem que olhar por sí, em que há medos grandes e justificados pela segurança económica de cada um e em que o respeito pelo outro não é assim tão grande como se desejaria. Pois se não fomos respeitados como miúdos, o que é extremamente frequente, como teriamos incorporado naturalmente o respeito pelo outro?

Para mais temos esse imprint da nossa sociedade de que temos de competir, se não formos melhores que os outros não valemos nada. Temos que nos afirmar e ganhar o nosso direito de existir através da aniquilação do outro. Isso intrinsecamente é incompatível com valores democráticos, em que todos estariam num pé de igualdade. A cadeia alimentar dos cotovelos humanos parece não deixar espaço para respirar a quem for inocente. Temos que nos afirmar, e se for preciso aplicar um pouco de força, para conquistarmos o nosso pequeno-almoço de cada dia. Ao menos é essa a prática predominante. E, vá lá, não nos desiludamos ao pensar que nós somos diferentes, que não fomos nutridos por esse fantasma...

Depois ainda há aquele desconhecimento em relação a nós próprios, pensamos que somos tolerantes, mas quando alguêm põe os pés em cima da mesa temos um ataque cardíaco ou queremos espancá-lo, consoante a nossa natureza... É muito difícil fazer os outros respeitar os nossos limites de uma forma aberta e não defensiva. Limites por vezes irracionais e por vezes desconhecidos por nós próprios.

Portanto: comunidades sim, daqui a 200 anos também vou estar numa.

2 comments:

Nuno said...

Existem muitas comunidades por aí em criação, nomeadamente "eco-aldeias" que são basicamente aldeias vulgaríssimas (que já são tão "eco"!)mas só em potencial: meio rural (check!), partilha de trabalho, terra e convívio (check!), utilização parca de recursos (check!), forte componente social e ligação á terra (check!).

Também as aldeias comuns não têm líder, a não ser que exista um presidente da junta, padre, cooperativa, etc. que tenha contornos fascistas. Estes locais também não precisam de líderes ou grandes filosofias para existirem- precisam é de pessoas!

É uma enorme ironia que ande tanta gente a querer criar uma aldeia e tanta aldeia á procura de gente!

Qual é a fatalidade que os faz desencontrarem-se ?

Cumprimentos!

Ps. Sou um leitor ávido do blogue e ando a ver os posts para trás: divertido + didáctico, parabéns. :)

A.S. said...

Olá Nuno,
obrigada!

A tal fatalidade deve-se em grande parte à falta de carcanhol. Para se viver numa aldeia tem que se arranjar terreno e casa lá e depois um trabalho que permita subsistir na aldeia.
O modelo de aldeia é com certeza muito promissor, porque pode ser sustentável e, como tu dizes, à partida ninguém manda em ninguêm.
Mas havendo falta de dinheiro, há necessidade de partilhar. E aí surge o dilema que descrevo: se há uma quinta ou uma casa comum há logo pano para mangas para desentendimentos...
Depois, de facto, anda tudo ao Deus dará, não há uma política coerente que permita manter e viabilizar a subsistência de pessoas nas aldeias. Antes pelo contrário, a liberalização do meracdo agrícola está a tornar cada vez mais difícil sobreviver-se de actividades económicas tipicamente rurais praticadas de forma sustentável.
A apocalipse foi ontém.

Beijinhos.