As nossas opções alimentares têm consequências profundas: na nossa saúde, na qualidade do ambiente e no bem-estar de todos que estão ligados à produção dos alimentos. Por isso não é indiferente o que comemos e onde compramos os alimentos! A nossa escolha diária em comprar certo tipo de alimentos, dá sinais ao mercado. Os alimentos que compramos hoje vão continuar a ser produzidos amanhã. A procura afecta a oferta.
Os alimentos têm uma história até chegarem aos nossos pratos: existe o agricultor e sua família, o solo onde cresceram, a paisagem onde foram produzidos, o modo como foram conservados ou transformados, os transportes a que foram sujeitos, o estabelecimento onde foram vendidos... Tudo isto influi sobre a qualidade dos alimentos e as consequências que a sua produção vai ter sobre o ambiente e sobre a sociedade.
Comer é um voto político que fazemos diariamente.
As nossas escolhas de alimentos dão sinais fortes ao mercado agro-alimentar e vão determinar, em última análise o modo de produção que temos: se temos porcos pretos debaixo dos sobreiros ou suiniculturas intensivas; se temos hortas coloridas em socalcos ou campos monótonos a perder de vista... Se comermos pão feito de farinho produzida em monoculturas nos EUA, estamos o apoiar este sistema de produção. Se comermos maçãs da Nova Zelândia damos sinais ao mercado que concordamos com o transporte de alimentos à volta do mundo, independentemente da poluição que isso gera. Se queremos morangos no inverno contribuimos para a produção poluente em estufa, com elevado consumo de energia. Se comermos tomates de Almeria aplaudimos à exploração de mão-de-obra ilegal num sistema semelhante à escravatura.
O consumo de alimentos é uma forma de consumo especial, porque é essêncial à vida e porque é regular. Isto foi descoberto há bastante tempo pelo mundo empresarial que considera que a produção e comercialização de alimentos é um óptimo negócio! A orientação para o lucro da produção de alimentos, tem afectado toda a cadeia agro-alimentar (desde a produção, à tranformação e à comercialização), no sentido de produção em massa num sistema industrial. Imagine os lucros que poderia obter se impedisse as pessoas a produzirem os seus próprios alimentos, obrigando-as a comprá-los à sua empresa! Pois, esta ideia diabólica está já numa fase muito avançada de concretização. São cada vez menos empresas que conseguem controlar o mercado agrícola mundial, tornando produtores e consumidores dependentes delas e fazendo lucros na ordem dos milhões.
Antigamente os agricultores eram independentes, porque conseguiam produzir tudo o que precisavam e trocar os excedentes por coisas que não podiam produzir. Hoje em dia, os alimentos produzidos de forma mais sustentável, devido à concorrência com produtos produzidos de forma industrial, com elevado impacto ambiental e subsidiados, dificilmente conseguem assegurar a subsistência do agricultor. Os agricultores vêem-se obrigados a adoptar tecnologias mais produtivas a curto prazo, tornando-se dependentes das empresas que fornecem as sementes de elevada produtividade, os fertilizantes químicos e os pesticidas. Os pequenos agricultores vêem-se obrigados a investimentos cada vez maiores para cumprir normas aplicáveis à produção agro-alimentar, adaptadas à produção industrial. Estas normas são muitas vezes descabidas para a produção em pequena escala. As empresas maiores podem investir e ganham um avanço na competitividade, enquanto os pequenos agricultores não têm capacidade de investir e têm que ceder mais um pouco do seu espaço no mercado agrícola.
Esta transformação industrial da agricultura permitiu aumentar a produtividade mas levou também a uma degradação da qualidade dos alimentos. Ao mesmo tempo que observamos as estatísticas de evolução da obesidade existem ainda 800 milhões de pessoas subnutridas. A obesidade é sobretudo uma doença dos mais pobres, que não têm possibilidades de comprar alimentos de qualidade, e recorrem à comida industrial barata (derivados de farinha branca, açúcar, gorduras de má qualidade). São alimentos que enchem o estômago mas não satisfazem as necessidades nutricionais. Afinal, os obesos devem ser somados aos subnutirdos, porque em geral são vítimas do mesmo sistema agro-industrial.
A fome não resulta de uma escassez de alimentos. A nível mundial são produzidos alimentos suficientes para todos os 6 biliões de seres humanos. O problema está na distribuição dos alimentos. A distribuição segue as regras do mercado: quem tem dinheiro come, quem não tem dinheiro morre. A produção independente foi e continua a ser desmantelada pelos acordos internacionais do mercado agrícola, pelo estabelecimento de concorrência entre empresas gigantes e pequenos agricultores e pelos subsídios à produção agro-alimentar industrial.
Não é sensato defender que a alimentação é um direito humano fundamental e impedir que a disponibilidade de alimentos seja regulada por um mercado global orientado exclusivamente para o lucro?
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