A primeira vez que fui confrontada seriamente com a questão ”O que é afinal a tradição?” estava num autocarro com um pneu furado na margem de uma estrada alentejana. Até esse momento de maior incerteza e de espera foi aproveitado pelos especialistas em ecologia vegetal que estavam aí reunidos para discutir um projecto de investigação sobre o efeito da alteração dos usos tradicionais do solo... Não se chegou a grande conclusão, para além de que “tradição significa coisas diferentes para diferentes pessoas” e que coisas bem recentes podem ser consideradas tradição.
Depois li uma explicação do Prof. Jules Pretty que dizia que a tradição se define pela forma de transmissão do saber e não pela sua antiguidade; trata-se de saber pela experiência feito que é passado oralmente e de forma informal.
Mais tarde conheci duas comunidades ecológicas (Zajezka na Eslováquia e Széplak na Hungria) que seguem as tradições locais com o objectivo de alcançar maior sustentabilidade. O argumento é que as práticas tradicionais permitiram as pessoas manterem as suas comunidades viáveis durante séculos, portanto, embora por vezes desconheçamos o sentido de certas práticas, elas são funcionais e por isso devem ser mantidas.
Surge-me um contra-argumento em relação à manutenção cega da tradição, inspirado em Steiner: o desenvolvimento da consciência humana individual exige uma maior abertura para diferenças e diversidade de práticas, de modo a assegurar a liberdade individual.
Lendo um boletim da “Criar Raízes” apercebi-me do problema de que frequentemente não é dado crédito a ideias inovadoras nas aldeias. Os velhos já podem não saber como gerir os seus terrenos face às políticas económicas e tecnologias modernas, mas olham com desconfiança para práticas novas.
O que me parece acontecer nas aldeias tradicionais é que só o que é tradição é que está certo; fazer as coisas de modo diferente do que os nossos bisavós faziam “está errado”. Quem o faça é “doido”. Assim existe uma coerção social, que faz com que cada indivíduo siga as práticas socialmente aceites. Só assim consigo perceber que em todo Portugal as batatas são cultivadas em regos que levam estrume e feitos exactamente da mesma maneira, abrindo um rego com a enchada e cobrindo o rego anterior. Ok, a prática talvez esteja optimizada neste caso. Mas há também casos em que práticas com menos sentido são seguidas “à letra”, como na mobilização do solo no olival: será que é mesmo preciso? Ou só se faz para manter as aparências de ter o olival bem tratadinho?
O conhecimento tradicional tem certamente aspectos chave e sabedoria que permite a gestão sustentável dos sistemas agrícolas, mas a infelxibilidade associada à tradição poderá compromteter a adaptação e resiliência dos sistemas agrícolas aos tempos que correm.
Sunday, 30 March 2008
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