Friday 1 February 2008

3º Colóquio Urgenci

3º Colóquio da Rede Internacional Urgenci – sobre relações de solidariedade entre produtores e consumidores locais (www.urgenci.net)

O 3º Colóquio internacional da Rede Urgenci teve lugar de 27 a 30 de Janeiro de 2008 em Aubagne, no Sul da França. O objectivo é fomentar a cooperação entre pessoas envolvidos em projectos de economia solidária, principalmente do sector agrícola. Os projectos baseiam-se em trocas comerciais justas e directas entre produtores e consumidores. Na França os projectos deste tipo têm o nome de AMAP – associações para a manutenção da agricultura camponesa, nos países Anglófonos o termo CSA – Community Supported Agriculture - é usado. Na Bélgica estabeleceram-se “FoodTeams” e em Portugal os projectos “Reciproco”, ambos variações sobre o tema das relações solidárias e sustentáevis entre agricultores e consumidores.

O primeiro dia do encontro foi dedicado à visita a duas explorações agrícolas que trabalham directamente com consumidores no sistema AMAP. Na parte da manhã visitamos uma área agrícola que a Câmara Municipal de Aubagne cedeu a uma jovem que estava desempregada e que queria iniciar a actividade agrícola. Como a jovem não tinha capital inicial para investir, famílias que estavam interessadas em receber a sua produção emprestaram-lhe dinheiro e pagaram o equivalente a um ano de hortaliças em avanço. Assim a jovem pode comprar os poucos equipamentos necessários para começar a cultivar a terra e a produzir vegetais, na Primavera de 2007. Inicialmente juntaram-se 28 famílias que compraram em avanço cabazes de hortaliças que iam ser produzidas na exploração. A produção correu bem e actualmente ca de 60 famílias compram o cabaz semanal. 2 vezes por semana a jovem agricultora colhe os vegetais e coloca-os num espaço coberto na própria exploração. Os consumidores vêm com os seus cestos e levam as quantidades indicadas. Para a agricultora foi um pouco complicado saber as quantidades que ia precisar de cultivar para as necessidades dos consumidores aliados e agora está insatisfeita com a variedade de produtos que tem no inverno, de modo a que já está a fazer planos sobre o que semear no próximo verão para assegurar uma boa colheita no inverno de 2008. Os consumidores, com esta cooperação, têm a possibilidade de receber hortícolas biológicas, frescas, ao custo de produtos normais de supermercado, e com a mais valia de novas relações humanas e de estarem a criar um emprego na sua própria comunidade. Este caso é um exemplo de como um AMAP ou CSA pode funcionar.

Exploração agrícola em sistema AMAP, perto de Aubagne.

Da parte da tarde visitámos outra exploração que funciona com o mesmo sistema de venda directa, mas que já está estabelecida há mais de 5 anos. Foi interessante como o casal que cultiva essas terras explicou como mantinha a ligação com os consumidores através de um boletim informativo, encontros na exploração, etc. Explicaram que o “capital social” é criado à base da transparência. Os consumidores, ao conhecerem a situação financeira, as práticas produtivas e os problemas que surgem na exploração aprendem a confiar nos produtores. Essa confiança é a base da boa cooperação a longo prazo.

A visita às explorações também permitiu que os participantes do colóquio se conhecessem e trocassem ideias. Os participantes vinham de vários países, sobretudo França, Inglaterra, Estados Unidos, mas havia também alguns representantes de outros países, como Portugal, Malásia, Bélgica, Togo, Japão e Cuba. Os participantes eram agricultores, consumidores associados a agricultores, activistas ou animadores de projectos de alimentação local sustentável e alguns estudantes.
Havia vários jovens que tinham iniciado explorações agrícolas sózinhos, alugando terrenos ou investindo com o apoio de consumidores que pagavam em avanço e cediam empréstimos sem juros.

O segundo dia do encontro foi dedicado à apresentação das novidades da rede e dos vários projectos, desde o último encontro, em 2006 em Palmela. Representantes dos 15 países presentes apresentaram os seus projectos, explicando o seu funcionamento e as dificuldades que tinham encontrado, de acordo com a realidade sócio-cultural e económica dos seus países. Fez-se uma avaliação das forças e fraquezas do conceito AMAP/CSA e foi apresentada a ideia de organizar a Rede Urgenci de forma policêntrica, ou seja, 6 áreas temáticas propostas haviam de ser coordenadas a partir de 6 locais de acção distintos. No terceiro dia do colóquio estas 6 áreas foram apresentadas e discutidas, inicialmente em workshops e em seguida em plenário.

As 6 áreas em que a Rede Urgenci se propõe a trabalhar são:

1- Biodiversidade e Agroecologia – discutiu-se como os agricultres da Rede Urgenci podem contribuir para a preservação de cultivares e raças regionais. O Instituto Vavilov de S. Petersburgo está disposto a cooperar com a Rede, cedendo sementes de variedades raras para serem resproduzidas e usadas nas explorações da Rede. Aqui surgiu algum debate, pois houve quem defendesse que uma empresa deveria ser contratada para produzir as sementes, enquanto outros denfendiam que cada exploração da Rede Urgenci deveria ser repsonsável pela manutenção de uma variedade, cedendo sementes às restantes explorações. Concluiu-se que seria necessário, antes de mais, fazer um levantamento da agrobiodiversiade existente nas explroações da Rede Urgenci, de modo a definir que variedades haviam de ser intorduzidas a partir do banco de sementes parceiro.

2 – Acesso à terra – a especulação imobiliária e a pressão urbanística dificultam o acesso à terra a pessoas que precisam dela para asseurar a sua sbrevivência, nomeadamente através da produção agrícola. A terra está a ser acumulada cada vez mais nas mãos de uns poucos ricos, enquanto que a maioria da população não tem possibilidades financeiras de adquirir terras. No entanto, o acesso à terra é essêncial para assegurar a produção de alimentos, especialmente para os mais pobres. Vários projectos que possibilitaram o acesso à terra a agricultores sem capital foram apresentados e discutiu-se como a rede Urgenci poderia contribuir para facilitar o acesso à terra para pessoas que queiram iniciar a actividade agrícola.

3 – Integração de pessoas desfavorecidas – o sistema AMAP/CSA está baseada na solidariedade social e portanto é evidente que os beneficios da produção biológica e venda directa aos consumidores devia ser acessível a todos e não ser apenas uma opção para os mais ricos. Neste sentido vários projectos CSA escalonam a contribuição financeira que os consumidores têm a fazer para receber a sua porção de alimentos da exploração, de acordo com o seu rendimento. Assim, quem tem um ordenado maior tem que pagar mais, subsidiando desta forma a participação de pessoas economicamente desfavorecidas.

4 – Difusão do conceito e cooperação entre explorações – foi discutido como se poderá promover a ideia de relações directas entre produtores e consumidores, de modo a tornar a informação facilmente acessível, e não restrita aos previamente interessados, mas também a agricultores em situações dificéis que beneficiariam desta solução.

5 – Treino e instalação de novos agricultores – várias pessoas, sobretudo agricultores que estão envolvidos no treino, através de estágios na sua exploração, apresentaram as suas actividades. Foram apresentados alguns recursos documentais sobre a formação em agricultura biológica, tal como os manuais editados pela Universidade de Sta Cruz na Califórnia (disponíveis em http://casfs.ucsc.edu/). Um sistema de formação de novos agricultores nos EUA funciona à base de 6 meses de trabalho em explorações agrícolas, com encontros mensais em que aspectos teóricos de agroecologia são ensinados. Foi proposto fazer-se uma base de dados de oportunidades de estágio e formação para novos agricultores sustentáveis a nível mundial. Também se falou em colaborar com escolas agrárias para promover a integração de formação em agricultura sustentável nos curriculos de cursos de agronomia.

6 – Aplicação do conceito fora da agricultura – na França existem já alguns projectos de venda directa de produção não agrícola para os consumidores. Foi apresentado um caso de um produtor de sabonetes e detergentes ecológicos que vende directamente aos consumidores. O objectivo seria aumentar o número de produtos ecológicos disponíveis, produzidos a nível regional e comercializados directamente.

A discussão das propostas de acção foi longa e complicada, formando-se alguns grupos de voluntários que eventualmente avançarão algumas das propostas de acção. Tornou-se claro como existem imensos pontos em que uma intervenção seria útil ou mesmo necessária, mas como constrangimentos financeiros limitam as possibilidades de acção. Também foi difícil chegar a acordos nas “negociações” porque muitos dos presentes estavam muito angustiados com a situação global da agricultura e não quiseram focar nas practicalidades da acção possível. Em vez disso levantaram questões polémicas como o Acordo sobre a Agricultura, o Regulamento da UE sobe Agricultura Biológica, os OGM, a política agrícola... Alguns não estavam seguros de que toda a plateia partilhava de facto estas angústias, pelo que repetidamente interviram no sentido de se expressar sobre temas que não estavam na ordem dos trabalhos.

O último dia estava dedicado ao debate político, pelo que vieram delegados de várias organizações internacionais para conhecer a ideia central dos projectos AMAP/CSA e se expressarem sobre estes. O objectivo foi fomentar o diálogo e saber se as autoridades estavam dispostas a colaborar com a Rede Urgenci.

Rio Durène, ao pé de uma das explorações visitadas.

Algumas frases e questões durante o encontro despertaram a minha atenção, cá vai uma série delas, a maioria delas de um agricultor biodinâmico de Thessaloniki na Grécia, chamado, como não podia deixar de ser, Dimitris:
“Que passos estão os decisores políticos a tomar para assegurar a viabilidade da agricultura face ao escassamento do petróleo?”
“As pessoas vão para os hipermercados porque pensam que aí podem encontrar produtos com uma relação valor/preço bom.” (mas estão enganados!)
“Vender uma pilha vazia é fraude. Porque é que vender alimentos produzidos convencionalmente não é considerado fraude também, visto que estes não contêm as energias vitais que o comprador espera?”
“O Regulamento da UE sobre agricultura biológica baseia-se apenas na regulamentação do comércio de produtos biológicos.”
“Tudo alimenta tudo.”
“O sistema imunitário da exploração agrícola é o solo. Se este está saudável também não existem doenças nas plantas.”
“O serviço dos agricultores não é produzir comida, é dar saúde.”

Martin Large contou a seguinte história:
Estavam uma vez 2 homens a discutir de quem era um pedaço de terreno. Um dizia: “o terreno é meu, desde o século XIX foi explorado pela minha família”. O outro dizia “Não, o terreno é meu, a minha tribo usou-o para pastoreio das vacas desde há tempos remotos, e foi só a legislação so séc XIX que nos tirou o direito de acesso a estas terras.” Uma senhora estava por acaso a ouvir a conversa e os homens dirigiram-se a ela, para ver se ela os ajudasse a resolver o conflito. A Senhora disse “bem, eu não sei, mas vou ver se a mãe Terra tem alguma coisa a dizer sobre o assunto”. A Senhora encostou o ouvido à terra e pôs-se a escutar. Depois de algum tempo levantou-se e os homens perguntaram “E então, o que é que ouviste?”. A Senhora respondeu “A mãe Terra diz que vocês os dois é que pertencem a ela.”

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