Monday 5 November 2007

Multifuncbanalidade

No meio académico-científico em Portugal está em grande moda falar da multifuncionalidade. Multifuncionalidade já não é um atributo, um adjectivo que caracteriza por exemplo a agricultura, mas passou a substantivo e objecto de investigação, bastante atractivo até para se conseguir financiamento de projectos, por estar na moda mesmo.

Numa perspectiva histórica é importante sim, que agora, finalmente, após 50 anos a se louvar a eficiência e racionalidade de explorações dedicadas unicamente à produção em massa de umas poucos cultivares, se ter notado que a agricultura tem mais funções para além da produção primária. Como a produção agrícola tem inúmeras externalidades, que se pode mesmo designar por funções, (tal como preservação de biodiversidade, preservação de agrobiodiversidade, preservação de conhecmineto ecológico local, preservação da cultura camponesa, fortalecimento de ligações socias, etc, etc) caracterizou-se então a agricultura como um sector multifuncional.

Agora acontece que, finalmente a PAC adoptou o termo "agricultura multifuncional", não se sabe bem porque. Por um lado concerteza a pressão de grupos ambientalistas tornaram necessário o sector político responder e considerar os efeitos paralelos da actividade agrícola. Por outro lado, as negociações no âmbito do estabelecimento do Acordo sobre Agricultura da OMC, levou também a que os países industrializados quisessem arranjar estratégias alternativas santinhas de manter o seu proteccionismo. Então dizer "oh não, nós não pagamos aos agricultores para produzir, mas apenas para preservar a paisagem" é uma desculpa bonita até para se continuar a dar dinheiro aos agricultores, sem directamente estimular ou influenciar a produção. Portanto; caixinha verde.

O que me parece é que no meio académico agora se está a tentar perceber "o que é que eles querem dizer com multifuncionalidade"? E, em vez de se consultar uma enciclopédia ou um simples dicionário, especula-se. Perceber o que é que é aquilo da multifuncionalidade é tornado uma acção de esforço científico colectivo e quem sabe articular frases complexas em torno da multifuncionalidade do espaço rural sem se engasgar (nem é preciso dizer nada de jeito) é herói.

Há quem diga que o conceito da multifuncionalidade operacionaliza o conceito do desenvolvimento sustentável: em vez de se estar a falar de um termo tão vago como sustentável, fala-se agora de "promover a multifuncionalidade", ou seja, numa exploração agrícola ou numa região o que se quer promover agora é que se faça lá diferentes tipos de coisas que sejam boas para o ser humano (serviços, funções) e não só uma (o que de facto nunca ou muito raramente aconteceu).

Isto porque? Porque parece mais cientificamente correcto fazer-se de conta que não se está a guiar a orientação por valores pessoais, por ideologias. Fica melhor dizer "multifuncionalidade", que parece ser uma coisa neutra. Quem estiver afectado pode escolher quais são as preferências em termos de funções que se pretende para um determinado espaço. Mas isso tira exactamente a orientação para a sustentabilidade; para o maior bem comum a longo prazo! - Fazer de contas que é indiferente o que se faz e como.

Parece então que toda a investigação em torno do conceito de multifuncionalidade não tem fundamentos sólidos, está a flutuar sobre nada. Em vez de termos uma visão sólida, explícita sobre quais são e como queremos resolver os problemas do meio rural e basearmos a nossa investigação e intervenção nessa compreensão, gasta-se imenso tempo e imensos recursos para construir e manter a visão do "cientificamente neutro". Exactamente numa área tão complexa como a Sociologia Rural é necessário ter as ideias e convicções básicas bem claras e explícitas, para que essas possam ser discutidas abertamente, refutadas, avançadas. Manter as ideologias por detrás da cortina e falar apenas em qualquer coisa superficial (tipo processos e dinâmicas territoriais) desavança o conhecimento e a resolução dos problemas que se agravam a cada dia.

O que é assustador também é que o que são consideradas ser as ideais "explorações multifuncionais" são, de facto, o passa-tempo de ricos que têm capital e formação e cunhas suficientes para investirem em múltiplas actividades ao nível da exploração. Pluriactividade portanto, e não multifuncionalidade da agricultura. "O desenvolvimento da multifuncionalidade" não é então nada que vá melhorar as condições de vida dos agricultores familiares nas zonas rurais marginalizadas.

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