Saturday 20 October 2007

Não há condições

Hoje em dia, quer-me parecer, um gajo tem que sentir-se mal e envergonhado se faz coisas por bem, devido à pressão do grupo e da comunidade. Um gajo que não bebe é mal visto. "Tu não vales nada pá! Nem és homem pra beber!" Deve ser-se mesmo mesquinho e limitado se não se deita papéis pela janela do comboio.

No último programa "Moral maze" da BBC 4 falaram sobre drogas. Penso que se tem que criar um clima de imoralidade e desdenho em relação a estas, em vez de as deixar ser um tabu apetecível.

Mas porque é que o clima de imoralidade e desdenho, a condenação social, está mais virada para o que é bom e útil?

Não faço a mínima ideia, mas permitam-me fazer umas especulações espontâneas.
Surge na minha cabeça Dieter Duhm's "Medo no capitalismo" (publicado ainda antes de este senhor se ter virado para o amor livre, julgo). Foramos educados com tantas prescrições pseudo-morais inúteis, sem reflexo nas necessidades de convívio pacífico no mundo real, que nos revoltamos contra estas leis de carácter opressor sem significado. Numa era em que o materialismo só começa a ser questionado, acrescenta-se ainda que só se acredita no "bem" justificável em termos simples de causa-efeito. Se o efeito de uma acção imoral não for imediatamente revelado na sua dimensão negativa, porque nos perocupar? Deitar o meu lixo para o mato, o que tem de mal? Qual o efeito imediato negativo, palpável, que se segue? Nenhum, segundo os ofensores: "Não gostas de ver, é?"

Todo o conceito de moralidade apareceu-me até agora como algo pouco respeitado e aceite. Prefigura-se me como algo absolutamente simples: respeitar a Vida, muito embora não a compreendamos. Não causar danos nem a sí nem a outros, respeitar o direito pela auto-determinação consciente e informada de cada um.

Se o gajo não sabe, pode ser informado. Mas se não perceber o conceito de moralidade, o que se poderá fazer? Julgo que a moralidade se pode desenvolver na confrontação com a realidade, mas talvez nem tanto na nossa relaidade do dia-a-dia que não se preocupa connosco. Mas numa realidade mais limitada e segura, em que as nossas acções contam. Mais uma tarefa para quintas curativas, talvez (já que poucas famílias parecem querer pegar nela).

De qualquer forma parece que quem tenta seguir a sua intuição moral é enfrentado com desdenho. E além da dificuldade de decidir por sí o que é moral, defensável, ainda tem que desenvolver uma segurança pétrea para não se deixar confundir pelos "buuhs", "és um marrão!", "não sabes curtir a vida", "não sabes o que é bom!", "és um chato!" etc, etc, etc.
"Nunca experimentaste fumar?! Nem tabaco? - tu não és deste mundo, seu copinho de leite!" "Tens medo do castigo da mamã, é?"

"A vida é bela, nós é que damos cabo dela." :*)

P.S. Na sua Filosofia da liberdade (1918), Steiner explica a questão da moralidade bem explicadinha.

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